sexta-feira, 18 de março de 2011

  Pai, não nos deixes cair em tentação
Na belíssima oração ensinada por Jesus aos apóstolos, a qual denominamos “Pai-Nosso” (Mateus, 6:9-13), consta, já na sua última parte, a seguinte frase: “Não nos deixes cair em tentação”. É importante que meditemos sobre isso, evitando interpretações errôneas das palavras do Mestre.
“Tentação” origina-se do verbo latino “tentare”, que significa: tocar, sondar, arrastar, examinar, experimentar, ensaiar, procurar seduzir, corromper... Portanto, “tentação” é a “pessoa ou coisa que tenta o homem, que o instiga ao erro”.
Não há dúvida quanto ao objetivo da tentação. A Benfeitora Joanna de Ângelis afirma: “A tentação representa uma avaliação em torno das conquistas do equilíbrio, por parte de quem busca o melhor, na trilha do aperfeiçoamento próprio”.
O homem tem que viver diferentes situações difíceis e antagônicas, a fim de aprender o certo e o errado, adquirir experiências e saber escolher bem (livre-arbítrio), o que o leva a evoluir. Logo, como nos diz Rodolfo Calligaris, tentações são “[...] uma espécie de exame ou sistema de aferição de nosso adiantamento”, onde os homens que as vencem “[...] adquirem novas forças e elevam-se a níveis superiores”, enquanto “os que [a elas] sucumbem estacionam e vão repetindo as lições da vida, até que as aprendam suficientemente”.
Em O Livro dos Espíritos, temos a resposta à pergunta 712a – Qual o objetivo dessa tentação? –, (referindo-se ao atrativo dos bens materiais): “Desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos excessos”.
Assim, até que o homem evolua e se mantenha firme na senda do bem, as tentações estarão em seu caminho...
Duas são as origens das tentações: do próprio interior do ser humano e exterior a ele. A que está no íntimo do indivíduo é, na realidade, a primária, decorrente dos vestígios de antigas ações equivocadas, a qual marca atualmente, com tendências, embora fugidias, para o erro de certo modo voluntário (pois já conhece as Leis de Deus). Como nos diz Emmanuel: “Qual acontece com a árvore, a equilibrar-se sobre as próprias raízes”, o homem, no presente, respira “[...] o influxo do passado”.
Desse modo, a tentação “[...] surge fundamentalmente de nós – na trama de sombra em que se nos enovelam [ainda...] os pensamentos...”; é a carga de sombra que trazemos em nós, de existência em existência.
A origem das tentações, exterior ao homem, deve-se à atuação de Espíritos ainda inferiores, os quais simplesmente se aproveitam de seus pendores até agora viciosos, isto é, suas brechas espirituais que, invigilante, abre mediante pensamentos, sentimentos e ações negativos.
Essa influência perniciosa começa por suaves “[...] debuxos mentais que nos incomodam levemente, de início, no campo dessa ou daquela idéia infeliz, gradualmente se fazem quadros enormes e inquietantes em que se nos aprisionam os sentimentos, que passam, muita vez, ao domínio da obsessão manifesta”.
O Espiritismo magnificamente nos ajuda a entender como podemos ser assim influenciados, quando nos esclarece que o mundo espiritual nos rodeia e nosso pensamento é energia, que vibra em determinada freqüência, através da qual sintonizamos com Espíritos que nela também vibram, sendo eles atraídos por nós. Por conseguinte, se pensarmos “mal”, com quem estaremos sintonizando?...
Daí a freqüente advertência de Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação!” (Marcos,14:38), a fim de nos protegermos dela, que se nos apresenta das mais numerosas e diferentes formas: discreta e comedida no princípio, enlevante, às vezes voraz e atordoante, insaciável mesmo, não raro disfarçada de desculpa mentirosa, sempre nos levando a repetir equívocos dolorosos...
E tentação aceita, só nós somos os responsáveis pelos sofrimentos daí decorrentes, já que não “vigiamos” devidamente...
Que fique bem claro, para nós, que o “não nos deixes cair em tentação” do Pai-Nosso não pode significar pedido de afastamento das provas, que ainda nos são necessárias ao crescimento espiritual.
Rogamos, sim, assistência à nossa fraqueza, através da inspiração do Cristo e de seus Enviados de Luz, para que resistamos às sugestões de irmãos ainda imersos na sombra, os quais, infelizes, tentam nos desviar da senda do bem.
Embora assistidos e auxiliados pelo Alto, o esforço tem que ser nosso (uso do livre-arbítrio), para mantermos o propósito inquebrantável de só pensar, desejar e realizar o bem, corrigindo nossas imperfeições...
A Doutrina Espírita também nos elucida que sempre podemos superar o mal, que só parece irresistível aos que nele se alegram e acomodam: o mal não constitui fatalidade para ninguém!
Por isso, mobilizemos nossa vontade para encetar o “bom combate” contra nós mesmos, isto é, em nosso próprio favor. E usemos o poderoso antídoto recomendado por Emmanuel: “[...] o cultivo da bondade incessante é o recurso eficaz contra o assédio de toda influência perniciosa”.
Aliemos a vigilância e a oração ao trabalho no bem, e estaremos prevenidos e protegidos contra as tentações por invencível escudo, sob as doces bênçãos do Pai e de Jesus.



Ivone Molinaro Ghiggino
Fonte: Revista Reformador

sexta-feira, 4 de março de 2011


SOBRE O CARNAVAL
“Atrás do trio elétrico só não vai que já morreu...”. – Caetano Veloso
“Atrás do trio elétrico também vai quem já “morreu”...”.

      Ao contrário do que reza o frevo de Caetano Veloso, não são somente os “vivos” que formam a multidão de foliões que se aglomera nas ruas das grandes cidades brasileiras ou de outras plagas onde se comemore o Carnaval.

      O Espiritismo nos esclarece que estamos o tempo todo em companhia de uma inumerável legião de seres invisíveis, recebendo deles boas e más influências a depender da faixa de sintonia em que nos encontremos. Essa massa de espíritos cresce sobremaneira nos dias de realização de festas pagãs, como é o Carnaval.

      Nessas ocasiões, como grande parte das pessoas se dá aos exageros de toda sorte, as influências nefastas se intensificam e muitos dos encarnados se deixam dominar por espíritos maléficos, ocasionando os tristes casos de violência criminosa, como os homicídios e suicídios, além dos desvarios sexuais que levam à paternidade e maternidade irresponsáveis. Se antes de compor sua famosa canção o filho de Dona Canô tivesse conhecido o livro “Nas Fronteiras da Loucura”, ditado ao médium Divaldo Pereira Franco pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, talvez fizesse uma letra diferente e, sensível como o poeta que é, cuidaria de exortar os foliões “pipoca” e aqueles que engrossam os blocos a cada ano contra os excessos de toda ordem. Mas como o tempo é o senhor de todo entendimento, hoje Caetano é um dos muitos artistas que pregam a paz no Carnaval, denunciando, do alto do trio elétrico, as manifestações de violência que consegue flagrar na multidão.

      No livro citado, Manoel Philomeno, que quando encarnado desempenhou atividades médicas e espiritistas em Salvador, relata episódios protagonizados pelo venerando Espírito Bezerra de Menezes, na condução de equipes socorristas junto a encarnados em desequilíbrios.

      Philomeno registra, dentre outros pontos de relevante interesse, o encontro com um certo sambista desencarnado, o qual não é difícil identificar como Noel Rosa, o poeta do bairro boêmio de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, muito a propósito, integrava uma dessas equipes socorristas encarregadas de prestar atendimento espiritual durante os dias de Carnaval.

      Interessado em colher informações para a aprendizagem própria (e nossa também!), Philomeno inquiriu Noel sobre como este conciliava sua anterior condição de “sambista vinculado às ações do Carnaval com a atual, longe do bulício festivo, em trabalhos de socorro ao próximo”. Com tranqüilidade, o autor de “Camisa listrada” respondeu que em suas canções traduzia as dores e aspirações do povo, relatando os dramas, angústias e tragédias amorosas do submundo carioca, mas compreendeu seu fracasso ao desencarnar, despertando “sob maior soma de amarguras, com fortes vinculações aos ambientes sórdidos, pelos quais transitara em largas aflições”.

      No entanto, a obra musical de Noel Rosa cativara tantos corações que os bons sentimentos despertados nas pessoas atuaram em seu favor no plano espiritual; “Embora eu não fosse um herói, nem mesmo um homem que se desincumbira corretamente do dever, minha memória gerou simpatias e a mensagem das músicas provocou amizades, graças a cujo recurso fui alcançado pela Misericórdia Divina, que me recambiou para outros sítios de tratamento e renovação, onde despertei para realidades novas”.

      Como acontece com todo espírito calceta que por fim se rende aos imperativos das sábias leis, Noel conseguiu, pois, descobrir “que é sempre tempo de recomeçar e de agir” e assim ele iniciou a composição de novos sambas, “ao compasso do bem, com as melodias da esperança e os ritmos da paz, numa Vila de amor infinito...”.

      Entre os anos 60 e 70, Noel Rosa integrava a plêiade de espíritos que ditaram ao médium, jornalista e escritor espírita Jorge Rizzini a série de composições que resultou em dois discos e apresentações em festivais de músicas mediúnicas em São Paulo.

      O entendimento do Poeta da Vila quanto às ebulições momescas, é claro, também mudou:
- “O Carnaval para mim, é passado de dor e a caridade hoje, é-me festa de todo, dia, qual primavera que surge após inverno demorado, sombrio”.

A carne nada vale:

      O Carnaval, conforme os conceitos de Bezerra de Menezes, é festa que ainda guarda vestígios da barbárie e do primitivismo que ainda reina entre os encarnados, marcado pelas paixões do prazer violento. Como nosso imperativo maior é a Lei de Evolução, um dia tudo isso, todas essas manifestações ruidosas que marcam nosso estágio de inferioridade desaparecerão da Terra.

      Em seu lugar, então, predominarão a alegria pura, a jovialidade, a satisfação, o júbilo real, com o homem despertando para a beleza e a arte, sem agressão nem promiscuidade. A folia em que pontifica o Rei Momo já foi um dia a comemoração dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus Dionísio, na Grécia clássica, quando a festa se chamava bacanalia; na velha Roma dos césares, fortemente marcada pelo aspecto pagão, chamou-se saturnalia e nessas ocasiões se imolava uma vítima humana.

      Na Idade Média, entretanto, é que a festividade adquiriu o conceito que hoje apresenta, o de uma vez por ano é lícito enlouquecer, em homenagem aos falsos deuses do vinho, das orgias, dos desvarios e dos excessos, em suma.

      Bezerra cita os estudiosos do comportamento e da psique da atualidade, “sinceramente convencidos da necessidade de descarregarem-se as tensões e recalques nesses dias em que a carne nada vale, cuja primeira silaba de cada palavra compõe o verbete carnaval”.

      Assim, em três ou mais dias de verdadeira loucura, as pessoas desavisadas, se entregam ao descompromisso, exagerando nas atitudes, ao compasso de sons febris e vapores alucinantes. Está no materialismo, que vê o corpo, a matéria, como inicio e fim em si mesmo, a causa de tal desregramento.

      Esse comportamento afeta inclusive aqueles que se dizem religiosos, mas não têm, em verdade, a necessária compreensão da vida espiritual, deixando-se também enlouquecer uma vez por ano.

Processo de loucura e obsessão:

      As pessoas que se animam para a festa carnavalesca e fazem preparativos organizando fantasias e demais apetrechos para o que consideram um simples e sadio aproveitamento das alegrias e dos prazeres da vida, não imaginam que, muitas vezes, estão sendo inspiradas por entidades vinculadas às sombras. Tais espíritos, como informa Manoel Philomeno, buscam vitimas em potencial “para alijá-las do equilíbrio, dando inicio a processos nefandos de obsessões demoradas”.

      Isso acontece tanto com aqueles que se afinizam com os seres perturbadores, adotando comportamento vicioso, quanto com criaturas cujas atitudes as identificam como pessoas respeitáveis, embora sujeitas às tentações que os prazeres mundanos representam, por também acreditarem que seja lícito enlouquecer uma vez por ano.

      Esse processo sutil de aliciamento esclarece o autor espiritual, dá-se durante o sono, quando os encarnados, desprendidos parcialmente do corpo físico, fazem incursões às regiões de baixo teor vibratório, próprias das entidades vinculadas às tramas de desespero e loucura. Os homens que assim procedem não o fazem simplesmente atendendo aos apelos magnéticos que atrai os espíritos desequilibrados e desses seres, mas porque a eles se ligam pelo pensamento, “em razão das preferências que acolhem e dos prazeres que se facultam no mundo íntimo”. Ou seja, as tendências de cada um, e a correspondente impotência ou apatia em vencê-las, são o imã que atrai os espíritos desequilibrados e fomentadores do desequilíbrio, o qual, em suma, não existiria se os homens se mantivessem no firme propósito de educar as paixões instintivas que os animalizam.

      Há dois mil anos. Tal situação não difere muito dos episódios de possessão demoníaca aos quais o Mestre Jesus era chamado a atender, promovendo as curas “milagrosas” de que se ocupam os evangelhos. Atualmente, temos, graças ao Espiritismo, a explicação das causas e conseqüências desses fatos, desde que Allan Kardec fora convocado à tarefa de codificar a Doutrina dos Espíritos. Conforme configurado na primeira obra da Codificação – O Livro dos Espíritos -, estamos, na Terra, quase que sob a direção das entidades invisíveis: “Os espíritos influem sobre nossos pensamentos e ações?”, pergunta o Codificador, para ser informado de que “a esse respeito sua (dos espíritos) influência é maior do que credes porque, freqüentemente, são eles que vos dirigem”. Pode parecer assustador, ainda mais que se se tem os espíritos ainda inferiorizados à conta de demônios.

      Mas, do mesmo modo como somos facilmente dominados pelos maus espíritos, quando, como já dito, sintonizamos na mesma freqüência de pensamento, também obtemos, pelo mesmo processo, o concurso dos bons, aqueles que agem a nosso favor em nome de Jesus. Basta, para tanto, estarmos predispostos a suas orientações, atentos ao aviso de “orar e vigiar” que o Cristo nos deu há dois mil anos, através do cultivo de atitudes salutares, como a prece e a praticada caridade desinteressada. Esta última é a característica de espíritos como Bezerra de Menezes, que em sua última encarnação fora alcunhado de “o médico dos pobres” e hoje é reverenciado no meio espírita como “o apóstolo da caridade no Brasil”.

Fonte:
Revista Visão Espírita.