quarta-feira, 25 de julho de 2012

O PRINCÍPIO DA REENCARNAÇÃO REVISITADO

Dólmen de Allan Kardec
Vinícius Lousada[1] “Pela lei da pluralidade das existências, [o Espiritismo] abre um novo campo à Filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai, com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as próprias leis da Natureza como base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que se assentavam apenas na teoria. Enfim, lança luz sobre as questões mais árduas da Metafísica, da Psicologia e da Moral.[2] Um saber espírita Termo cunhado por Allan Kardec[3] e ensinamento ministrado pelos Espíritos, como informadores da investigação científica levada a cabo pelo mestre lionês, a reencarnação se refere à volta do Espírito à vida corporal. No Vocabulário Espírita o mestre esclarece que esse retorno do Espírito à vida corpórea pode dar-se em curto ou longo tempo depois da morte, na Terra ou noutras moradas planetárias, sempre em corpo humano pelo fato do Espírito não retroagir em sua escalada evolutiva e tampouco retrogradar a fases infra-humanas. Nada obstante, a cada reencarnação o Espírito pode evoluir de modo mais célere ou lento, conforme o ritmo do seu esforço pessoal no campo do desenvolvimento de seu intelecto e no da sua moralidade, podendo até mesmo estacionar temporariamente em certo sentido. De uma experiência corporal à outra, o Espírito pode alternar a sua condição social, étnica e cultural, tendo em vista o seu adiantamento através dos diferentes aprendizados que podem ser obtidos na diversidade das circunstâncias materiais que se lhe apresentam, conforme a suas escolhas na erraticidade que, por sua vez, geram provas pertinentes ao crescimento que lhe cabe realizar, ou ainda, expiações que consistem em mecanismos educativos de colheita da semeadura equivocada empreendida outrora.
Brian Weiss Um psiquiatra e a sua descoberta da reencarnação O M. d. Brian Weiss, americano, lidava com seus pacientes mediante os métodos convencionais da psicoterapia, sendo surpreendido pela intervenção dos Espíritos na vida corporal e a pluralidade das existências quando Catherine, uma de suas pacientes, espontaneamente, começou a recordar traumas de vidas passadas que estariam conectados com os transtornos emocionais que enfrentava na vida presente. Contudo, o ceticismo de Weiss foi desafiado pela mediunidade de sua paciente que, em transe, fez narrativas do além da vida a respeito de fatos particulares de seu terapeuta, em especial, sobre o seu pai e filho, ambos desencarnados. Essa experiência singular ele detalha com propriedade em seu Best-seller “Muitas vidas, muitos mestres”. Desde então a vida de Brian Weiss nunca mais foi igual ao que era. O médico, pós-graduado na Universidade de Columbia e Yale Medical School e presidente emérito do Mount Sinai Medical Center, em Miami, tem se dedicado à cura de seus pacientes através da terapia de vidas passadas, além de se ocupar em contribuir com a formação de outros profissionais e realizar seminários de âmbito nacional e internacional. Constatações na terapia de vidas passadas A seguir, procurarei sintetizar ao leitor alguns aprendizados indicados por Brian Weiss mediante a aplicação da terapia de vidas passadas em busca da cura de seus pacientes[4]. Contudo, é de bom alvitre destacar que a técnica utilizada por Weiss para levar seus pacientes à memória de suas vidas anteriores é a hipnose, aliás, filha do magnetismo de Mesmer e aceita academicamente desde o século XIX, quando difundida pelo Sr. Broca[5]. Do mesmo modo, a meditação é um recurso utilizado pelo médico para ajudar seus pacientes no acesso às lembranças de vidas passadas, trata-se de um meio para fazer a mente ter foco e ativar informações do subconsciente, tendo em vista a superação de conflitos que flagelam os que procuram essa terapia. Jamais fins pueris orientam o quefazer de Brian Weiss. Nesse processo, o paciente não é adormecido e estando consciente faz uso da sua capacidade de discernir, sem perder o autocontrole. As lembranças emergem sob a condução do terapeuta e se manifestam aos pacientes como um filme ou fragmentos mnemônicos. Em qualquer momento o paciente pode ser desperto. E, assim, Brian Weiss (2009, p.14 ) sintetiza a regressão: A terapia de regressão é o ato mental de voltar a um tempo anterior, qualquer que seja esse tempo, a fim de resgatar lembranças que podem influir negativamente na vida atual do paciente e que são provavelmente a fonte de seus sintomas. (...) Em quarenta por cento de seus pacientes, Weiss identificou a regressão como a chave da conquista da cura completa. Noutros casos, não identificou essa necessidade. Em trezentos de seus pacientes verificou que, com a regressão associada à hipnose, é possível explorar de forma mais profunda o inconsciente. Igualmente, alerta que a carga emocional que surge na regressão demanda que a terapia seja realizada por profissionais com a devida formação na área da saúde mental para ajudar devidamente o paciente a elaborar o aproveitamento da vivência experimentada. Weiss descobriu que as vivências acessadas pelos seus pacientes apresentam-se em dois padrões: o clássico, com riqueza de detalhes sobre aquela vida e os acontecimentos; e em fluxo de momentos-chave, onde o subconsciente entrelaça lembranças de momentos mais importantes e relevantes das experiências passadas que são capazes de elucidar o trauma oculto, favorecendo a cura. A hipótese central dele consiste na constatação de que o simples ato de rememorar ou revivenciar um trauma do passado longínquo resulta em cura emocional, tal como ocorre na terapia convencional. Entende que há uma notória possibilidade de que o agente da cura esteja na consciência de que a alma nunca morre e na compreensão das causas profundas dos conflitos psicológicos ou de enfermidades. Entre os saberes encontrados por Weiss, pela memória que transborda do inconsciente profundo de seus pacientes ou pelo diálogo com os Espíritos orientadores (que ele nomeia por mestres em sua obra), encontramos a imortalidade da alma, a reencarnação, a comunicabilidade entre os que partiram para o além com os que vivem aquém, aliás, muito presente em experiências espirituais vividas por pacientes terminais, aqueles que transitaram no estado de quase-morte, outros durante as sessões com o terapeuta ou, ainda, de forma particular em momentos de visualização terapêutica ou meditação. A terapia de vidas passadas demonstrou eficácia em casos de dores crônicas, alergias, asma, estresse, ansiedade, depressão, deficiências imunológicas, úlceras, gastrites, podendo melhorar lesões ou tumores cancerígenos, além de promover a tranquilidade, alegria e vontade de viver. Para o terapeuta, o elemento espiritual da terapia de vidas passadas – a certeza da imortalidade – tem um grande poder curativo ao afastar o paciente do medo e do sofrimento.Os laços de família são tecidos em razão dos encontros que as vidas sucessivas fomentam, pois, segundo suas constatações, renascemos várias vezes nos mesmos grupos e as simpatias ou antipatias são originadas nessas convivências sadias ou não que se perdem na esteira do tempo. O reconhecimento subconsciente dos encontros familiares do passado dá-se na repulsa ou atração pelo afeto de hoje, de forma espontânea. O condicionamento do carma é relativo, pois somos sujeitos de nossas escolhas mediante o livre-arbítrio. Não somos determinados por fatores genéticos e ou cármicos, muito embora as nossas ações condicionem de certo modo nossa evolução espiritual e, nesse caso, a terapia de vidas passadas parece fortalecer a vontade do paciente evitando que seja joguete de suas próprias tendências. As dificuldades e obstáculos superados a cada reencarnação fazem o indivíduo progredir espiritualmente e as circunstâncias mais afligentes devem ser encaradas como “chances de progresso, não de atraso.” (Weiss, 2009, p. 82) Vale destacar que a terapia de vidas passadas abre um caminho para a espiritualidade, no sentido mais profundo, no cuidado com o paciente e estabelece a possibilidade de um diálogo natural sobre a morte e as doenças, psíquicas ou físicas entre o médico, seus pacientes e familiares. Outro saber pertinente aos achados de Weiss está na presença dos guias espirituais, os Bons Espíritos responsáveis por bem orientar os sujeitos na presente reencarnação, cujos laços de afinidade podem ser estruturados já em vidas anteriores. Igualmente, o guia pode se manifestar através de médiuns experientes ou a ele mesmo, mediante o exercício da meditação ou visualização, práticas espirituais que ajudam o paciente na concentração mental. Certamente o leitor, se for espírita, está pensando que Brian Weiss não nos traz novidade alguma, pois recolhemos esses saberes nos textos de Allan Kardec. Todavia, encontramos na produção escrita de Weiss uma expressiva convergência com o pensamento kardequiano, o que acaba por reforçar não só a atualidade da filosofia espírita, como também, a abertura – ainda que tímida – de outros campos de saber à dimensão espiritual do ser humano. As profícuas descobertas de Weiss pedem ao pesquisador sensato e sem preconceito um contato mais atento com fenômenos dessa ordem e uma curiosidade epistemológica que transcenda as suas verdades pré-concebidas. E o esquecimento do passado? Em seu diálogo com o cético, em O que é o Espiritismo?, Allan Kardec aborda o problema do esquecimento do passado que é matéria de objeção pelo inquiridor ao princípio da reencarnação. E, nesse sentido, esclarece o pensador da Doutrina Espírita: “Se em cada uma de suas existências um véu esconde o passado do Espírito, com isso nada perde ele das suas aquisições, apenas esquece o modo por que as conquistou.”[6] Há um olvido do passado, para a consciência atual do Espírito, cuja finalidade é permitir-lhe novas aprendizagens, a partir dos saberes e vivências adquiridos grafados em seu psiquismo sem estar preso a essas experiências, abrindo-lhe os horizontes do intelecto e da moralidade orientado pelas imensas possibilidades latentes em seu vir-a-ser. Reencarnado, o ser humano traz de forma intuitiva e em suas ideias inatas o que adquiriu em ciência e em moralidade, mas detalhes das vivências passadas ficam ocultos no inconsciente profundo para que o indivíduo não se prenda a eles, com o risco de caminhar em um círculo vicioso, desviando-se do campo do aprendizado que deve empreender. Caso toda gente se lembrasse de tudo, viveríamos um caos porque com a nossa limitada cosmovisão perpetuaríamos preconceitos, disputas inúteis, ódios e, por certo, exigiríamos na vida presente respeito às prerrogativas que nos foram concedidas no passado, como classe social, valores étnicos e religiosos, enraizando ainda mais em nosso ser as ilusões que nos prendem ao sofrimento nas vidas sucessivas. Entretanto, ao identificar o esquecimento do passado como uma ferramenta da solicitude de Deus em prol de seus filhos, o Espiritismo jamais fez dele um dogma. Como doutrina progressista, nele não há qualquer prescrição proibitiva nesse sentido, muito pelo contrário, porque tendendo a absorver os progressos científicos de campos distintos do conhecimento, como pretendia Kardec, o Espiritismo é dialógico em relação às contribuições que são confirmadas pelo mais rigoroso e atual método científico. Aliás, a lembrança de vidas passadas é uma possibilidade do ser humano porque acessadas essas memórias extracerebrais e trazidas para o consciente, se traduzem em experiência transpessoal que fala fundo à alma sobre a sua imortalidade e progressividade espiritual. Esse emergir de lembranças de vidas passadas tem sido alvo de registros de diversos pesquisadores como Albert Rochas (1837-1914), Hernani G. Andrade (1913-2003), Prof. Hamendra Nath Banerjee (1929-1985) e Dr. Ian Stevenson (1917-2007). Esse fenômeno merece estudo, seja daqueles que se interessam pelo tema, que desejam fazer dele objeto de suas pesquisas ou para os que percebem a fertilidade do diálogo da Ciência Espírita com as pesquisas contemporâneas sobre reencarnação. A lembrança das vidas passadas, enfim, é um fato que colabora com a difusão do princípio da reencarnação e corrobora a terapêutica psicológica que dela se serve e que tem sido útil para o alívio do sofrimento humano. Contrapô-las com as armas da proibição ou discursos em prol de uma cultura do medo, que nada têm a ver com o Espiritismo, é tão ingênuo quanto negá-las por desconhecê-las. Aqui, como noutras questões, o bom senso é sempre bem-vindo.
Ian Stevenson [1] Educador e pesquisador. [2] Revista Espírita, agosto de 1865. O que ensina o Espiritismo. [3] Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas. Vocabulário Espírita. REENCARNAÇÃO [4] WEISS, Brian. A cura através da terapia de vidas passadas. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. [5] Vide Revista Espírita Revista Espírita de Janeiro de 1860 - O Magnetismo perante a Academia. [6] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. 55. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007, p. 127.